Vivemos tempos interessantes na política nacional. A direita está em reajustamento partidário e a esquerda em implosão após ter sido regurgitada pelo PS. Neste cenário político efervescente quer seja por razões internas ou externas, veja-se a atração do PCP pelo abismo com o seu posicionamento sobre a guerra na Ucrânia, necessitará o PSD de um plano quinquenal para apresentar uma alternativa à hegemonia do PS?
A 30 de janeiro de 2022, o Partido Socialista vence as Eleições Legislativas com maioria absoluta.
Durante os próximos quase cinco anos, a Assembleia da República vai estar a aprovar medidas para a implementação de um plano quinquenal, pronto para recuperar com muita resiliência.
À esquerda do PS, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português já estão na rua e nas redes sociais a fazer barulho e a criar algum colorido nas televisões, arriscando uma revolução televisionada meio aburguesada.
É à direita que importa estar e acompanhar a autofagia de uns e o banquete de outros. Vamos falar do gato na sala. O Partido Social Democrata estará em fase de reorganização interna, reposicionamento ideológico ou só uma mera mudança cosmética de cadeiras?
Estou inclinadíssimo para a última opção, tão tombado estou que quase dou um beijo francês ao pavimento.
O PSD, que já foi Popular, afirma-se social-democrata. Alguns teimam que é de centro e até quis pertencer à Internacional Socialista mas aparentemente nunca se deu bem com esse posicionamento. Basta perguntar a qualquer militante ou simpatizante se são de esquerda ou de direita e a resposta deverá ser uma alegre evidência.
Como é que o próximo líder do PSD irá conquistar espaço à Esquerda se até a Marisa Matias e o António Costa já se assumiram como sociais-democratas?
E aos novos partidos de direita, Iniciativa Liberal e Chega, que fizeram o mesmo que o BE fez ao PCP e ao PS, tomando para si temas de nicho e incómodos dentro daquela harmonia das facções que existe em qualquer partido com relevância no sistema politico. Irá conseguir recuperar para si esses temas?
Dependentes do Estado
Num artigo no Observador, “Eleições e reformas num país onde o “grupo dependente” do Estado é largamente maioritário”, Vitor Bento coloca em evidência a cada vez maior hegemonia dos dependentes do Estado, aquilo a que o saudoso Medina Carreira chamaria de o Partido do Estado.
Concluindo que o grupo que cria riqueza tem vindo a contrair-se e os quatro grupos que dela dependem estão a expandir-se, exigindo cada vez mais ao Estado que garanta os seus direitos conquistados.
Portanto, será pacífico afirmar que dificilmente acontecerão reformas e coligações reformistas entre os partidos BE, PCP, PS e PSD para alterar o atual rumo de desenvolvimento do país, com a acumulação da dívida pública e os necessários balões de oxigénio que são os Planos de Recuperação e Resiliência que tanta falta nos fazem.
Vitor Bento termina de forma lapidar que o futuro é tudo menos risonho. Isto é, foram buscar-se ao exterior, por empréstimo, os recursos necessários para colmatar a diferença entre as promessas de distribuição de riqueza e a riqueza efectivamente criada no País. Este expediente é, por natureza, limitado no tempo e tem a consequência perversa de sentar à mesa da distribuição futura os credores, cujo quinhão de direitos distributivos cresce com a dívida, e à custa do quinhão dos que já lá estavam sentados.
Se os eleitores forem outros, talvez o PSD possa ganhar
Tendo por base dois estudos realizados pelos investigadores, Pedro Magalhães e João Cancela, Bases sociais do voto nas legislativas de 2022 onde é possível traçar um perfil dos votantes com base numa sondagem à boca das urnas feita pela Pitagórica, apresentam diferentes cenários de composição parlamentar por perfil-sociodemográfico dos eleitores, demonstrando que em todos esses cenários com exceção de um, o PSD nunca sairia do número de deputados que tradicionalmente tem desde 1975, com 73 a 88 deputados, com excepção da V e VI legislaturas, onde Cavaco Silva obteve votações expressivas. Reforçando esta ideia de estagnação, na simulação da composição do parlamento só com eleitores com menos de 35 anos, não é o PSD que sobe mas o PS que desce no número de deputados, ficando os dois empatados com 82 deputados.
O PS assume-se como o partido com mais eleitores acima dos 34 anos, e os novos partidos de esquerda e direita disputam, com especial destaque para a Iniciativa Liberal, o eleitorado com menos de 35 anos que representam 22% dos votantes, face aos 78% com mais de 34 anos.
Curiosamente, o PSD face ao PS obteve uma ligeira diferença positiva no eleitorado com menos de 25 anos.
O segundo estudo dos mesmos autores, sobre as As Bases Sociais dos Partidos Portugueses, realizado em 2020, que entre várias constatações conclui que … os assalariados com baixos níveis de instrução (a vasta maioria dos eleitores) constituem uma parte muito relevante dos eleitorados de todas as principais forças políticas, eles tendem a concentrar-se especialmente no PS e na CDU, em contraste seja com o centro-direita …
Uma das conclusões que defendem para o não crescimento do PSD … a adopção pelos partidos de direita — especialmente por parte do PSD — de um discurso mais marcadamente liberal do ponto de vista económico desde 2010…. como sendo hostil à justiça social e ao estado-providência (Magalhães, 2012, pp. 314–315), tenha desde então ajudado a ancorar mais fortemente os partidos de direita a um eleitorado com maiores recursos, enfraquecendo-os, por sua vez, junto dos eleitorado com menores níveis de rendimento.
Em relação à capacidade de atração dos eleitores mais idosos, afirmam que Nas eleições legislativas entre 2002 e 2011, o voto desses eleitores tendia a concentrar-se fundamentalmente nas forças de centro-esquerda e centro-direita, PS e PSD/CDS. Contudo, em 2015 e 2019, observa-se um claro enfraquecimento da posição relativa dos partidos de centro-direita junto deste eleitorado. É difícil não atribuir essa mudança a uma reacção negativa destes eleitores às medidas adoptadas durante a aplicação do plano de ajustamento nos anos 2011-2014.
Concluindo, ambos os estudos colocam em evidência a tendência de fixar nos partidos de esquerda os mais dependentes das políticas do Estado com pouca propensão a aceitar grandes reformas transformadoras do atual modelo económico e social.
Coligação de interesses
Unir as diferentes direitas que existem atualmente em torno de um elemento unificador, como fez o PS ao permitir que o BE e o PCP embarcassem no barco da governação, seria a melhor opção para oferecer uma frente de direita sólida que consiga derrubar o PS.
Acontece que o PSD não sabe, nem tem a capacidade técnica e política para o fazer. Primeiro porque é um partido autofágico, basta assistir com algum espanto a forma como o Paulo Rangel está a ser tratado nesta nova corrida ao poder. Em três meses passou de bestial a besta sem apelo nem agravo. Reduzir ao osso do aparelho a renovação dos quadros, condena a longo prazo o partido à consanguinidade e seus efeitos nefastos. Quando era um partido de poder, onde navegavam os escolarizados e os pequenos e médios empresários, significava que atrás de um caído surgia outro militante disponível para se sacrificar no altar do poder. Com o envelhecimento, o empobrecimento dos portugueses e poucas cadeiras para ocupar no Olimpo os caciques e seus movimentos agressivos de proteção da Familia, acentuaram-se e o partido ficou pouco apetecível para a renovação de sangue tão necessária à qualidade da participação política dos cidadãos.
Ao contrário, o PS foi paulatinamente reforçando a sua influência junto dos quadros médios e superiores, devorando os lugares de poder na Administração Pública, criando uma teia de influência multirresistente e muito difícil de quebrar nas próximas décadas, sem que se faça uma reforma profunda da Administração Pública.
Em segundo lugar, o IL e o Chega, depois dos resultados obtidos nas Legislativas de 2022, não estarão dispostos a seguir o mesmo destino do BE e do PCP, serem canibalizados pelo PSD. Vão querer afirmar-se como alternativa e diferenciar-se do PSD na forma e no conteúdo, ocupando o vazio que os ziguezagues de posicionamento politico ainda permite a estes dois partidos.
Fernando Leal da Costa usa uma expressão curiosa em que afirma, O PSD precisa de uma gentrificação intelectual, tem de rever o seu lado pimba e recuperar consolidação urbana junto dos que habitualmente decidem as eleições. Com ideias, com pessoas, com tudo e todos.
Claramente um passo em frente ao eleitorado do IL, desvalorizando a componente popular que durante muitos anos sustentou o partido. Por outro lado, Paulo Mota Pinto defende que O PSD precisa de regressar à origem da política, à discussão de ideias. Não podemos ficar pela mera tática e pelo soundbite.
Ambos defendem uma reflexão que também considero necessária mas só um apresenta um caminho claro, e isso é um dos indicadores de falta de massa critica e interesse em discutir o futuro do partido. Desde 1976, ano em que mudou de nome para PPD/PSD, este partido traçou para si um caminho ideologicamente errático, reduzindo-se a um conjunto de caciques locais, cujos interesses são mais particulares do que nacionais.
Se Rui Rio não conseguiu afirmar o PSD como um partido de Centro-Esquerda como em 1970, Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota imprimiram nos estatutos do partido, qual deverá ser o caminho a seguir?
Deverá o PSD afirmar-se como um partido popular e liberal e assim tentar secar o partido Chega? Ou assumir-se de vez como Social-Democrata e abdicar de ser um partido de poder nas próximas legislaturas, defendendo verdadeiramente uma reforma liberal do modelo económico e social, obrigando o IL a fazer o mesmo que o CDS fez? Uma coligação e assim perder a sua razão de ser.
Baralha e Volta a dar
O que se passa no PP espanhol poderá ser um sinal do futuro do PSD, se não forem tomadas decisões estruturais e fundamentais para a sua sobrevivência. Seja qual for o caminho que o partido decidir nos próximos tempos, uma coisa tenho por certo, os caciques e o despotismo consentido, na tradição de Alexis Tocqueville, não vão desaparecer e será necessário mais do que um plano quinquenal para reorganizar o partido.
Jaime Nogueira Pinto afirmou num artigo para o Observador, o mais grave, talvez, é alguns estarem convencidos que trabalham para o bem comum. Como os jacobinos de 1793, os bolcheviques de 1917 e até alguns Guardas Vermelhos de 1966. Mas, mais grave ainda, é muitos de nós não estarmos ainda convencidos de que as consequências deste outro despotismo, que vamos alimentando inconscientemente e em suaves prestações diárias, prometem ser mais negras e letais do que as das revoluções mais sangrentas.