A tensão crescente na Ucrânia e a escalada de conflitos na Europa têm gerado um debate renovado em Portugal sobre o regresso do serviço militar obrigatório. Apesar da resistência da maioria dos partidos políticos, exceto o PCP, a falta de efetivos e as deficiências na carreira militar têm levado muitos a repensar a necessidade de uma mudança.
O diagnóstico sobre as Forças Armadas portuguesas é unânime: estão precárias, mal remuneradas e sem perspetivas de progressão na carreira. Esta realidade tem contribuído para a escassez de recrutas, um problema exacerbado pelo atual contexto geopolítico na Europa, onde países como a Suécia reintroduziram o serviço militar obrigatório.
Já em 2022, num artigo do Observador, o Partido Socialista, e o Partido Social Democrata, concordavam que era necessário fortalecer o efetivo militar e melhorar as condições de atractividade da carreira. O PCP, historicamente a favor do serviço militar obrigatório, saudou o retorno da discussão e enfatizou a importância de valorizar a carreira militar.
Entretanto, partidos como o Bloco de Esquerda, um partido historicamente contra a conscrição e que se opôs igualmente ao “Dia da Defesa Nacional”, o Chega e a Iniciativa Liberal, embora reconhecendo a necessidade de aumentar o número de efetivos, rejeitaram a ideia de serviço militar obrigatório. Para estes, é fundamental melhorar as condições de trabalho e integração dos militares na sociedade civil.
A resposta dos jovens tem sido considerada insuficiente, e as associações que representam os militares apontam para a necessidade de melhores condições salariais e de trabalho nas Forças Armadas.
Existem ainda outras propostas como o Serviço Cívico Nacional Obrigatório, onde os jovens poderiam prestar serviço em áreas sociais, como a proteção florestal, integração de imigrantes e combate à solidão de idosos. A dúvida sobre este tipo de opção é que não mune os jovens com as competências necessárias para lidarem com um teatro de guerra.
Pessoalmente, considero que poderia ser uma opção interessante para integrar jovens a partir dos 14 anos num percurso cívico de um jovem que está a entrar na vida activa e responsável na comunidade.
Num artigo do jornal Público em 2023, é divulgado que num estudo realizado pelo Ministério da Defesa com jovens portugueses concluiu que apenas 1,4% deles se interessavam por “participação e cidadania”. Isso representa menos de dois mil jovens num universo de cerca de 135 mil, a baixa importância dada pelos jovens será um desafio para as Forças Armadas em particular e para sociedade em geral, uma vez que a participação cívica e a cidadania são temas centrais para o desenvolvimento de uma Nação que se quer ativa e saudável.
No entanto no mesmo estudo, 76,3% dos participantes gostaram muito do Dia da Defesa Nacional (DDN), 84,6% tinham uma opinião positiva ou muito positiva sobre as Forças Armadas e 94% concordavam com a necessidade das Forças Armadas para garantir a segurança de Portugal.
O serviço militar obrigatório foi abolido em Portugal em 2004, a discussão já é longa e está longe de chegar a um consenso. Enquanto alguns defendem o seu retorno como uma solução para a falta de efetivos e valorização da carreira militar, outros argumentam que é necessário primeiro melhorar as condições existentes; Mas agora surge a questão: seria sensato reconsiderar essa decisão? Mais do que formar uma opinião, tentei compilar um conjunto de argumentos que fui encontrando de modo a contribuir para um debate público esclarecido que permita uma tomada de decisão esclarecida pela sociedade civil.
O serviço militar obrigatório tem diversas implicações sociais a serem consideradas.
Impacto na Liberdade Individual
O serviço militar obrigatório é visto por alguns como uma invasão da liberdade individual, pois o Estado está a forçar os cidadãos a prestarem serviço militar contra a sua vontade.
Interrupção de Estudos e Atividades
O processo seletivo e a prestação do serviço militar obrigatório podem obrigar muitos jovens a interromper seus estudos e outras atividades, adiando os seus objetivos pessoais.
Integração Social e Promoção de Valores
O serviço militar obrigatório pode ajudar a integrar jovens na sociedade e promover valores como disciplina, responsabilidade e patriotismo. Pode servir como uma “escola de cidadania”, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura de Defesa Nacional.
Vamos então aos argumentos a favor e contra, sobre o serviço militar obrigatório e quais as implicações para organização social dos indivíduos na sua base fundamental, a família.
A Favor
Formação Cívica e Disciplina
A reintrodução do serviço militar obrigatório poderia contribuir para a formação cívica dos jovens. O treino militar promove valores como disciplina, responsabilidade e trabalho em equipa. Além disso, a experiência nas Forças Armadas pode moldar o caráter dos jovens, preparando-os para os desafios da vida adulta.
Reserva Estratégica
Em tempos de incerteza geopolítica, ter uma reserva de pessoal treinado e capacitado é crucial. O serviço militar obrigatório poderia garantir que Portugal tivesse uma força de reserva pronta para atuar em situações de emergência, como desastres naturais ou conflitos.
Igualdade de Oportunidades
O serviço militar obrigatório poderia nivelar as oportunidades entre os jovens. Independentemente da classe social ou origem, todos passariam pelo mesmo processo de formação e serviriam o país, reduzindo as desigualdades e promovendo a coesão social.
Contra
Voluntariado e Profissionalização
Muitos argumentam que o voluntariado é mais eficaz do que o serviço militar obrigatório. Em vez de impor a obrigatoriedade, o Estado poderia incentivar o voluntariado em áreas como proteção civil, saúde e educação. Além disso, investir na profissionalização das Forças Armadas poderia garantir um contingente bem treinado e motivado.
Custos e Recursos
Reintroduzir o serviço militar obrigatório exigiria recursos significativos. O treino, as infra-estruturas e a logística teriam um custo considerável para o Estado. Seria necessário avaliar se esses recursos não seriam mais bem empregues noutras áreas prioritárias.
A exigência de operar tecnologias avançadas é incompatível com uma passagem efémera pelas Forças Armadas através do serviço militar obrigatório.
Existe um grande gasto administrativo com o processo seletivo do serviço militar obrigatório, e muitos jovens são obrigados a interromper seus estudos e atividades.
Mudança de Paradigma
A sociedade evoluiu desde a abolição do serviço militar obrigatório. Hoje, existem outras formas de contribuir para o bem comum, como o voluntariado civil e o serviço comunitário. Reequacionar o serviço militar obrigatório implicaria uma mudança de paradigma e uma análise cuidadosa dos benefícios e desvantagens.
O serviço militar obrigatório é uma invasão da liberdade individual, pois o Estado está a forçar os cidadãos a prestarem serviço militar contra a sua vontade.
Implicações do Serviço Militar Obrigatório na vida familiar
O serviço militar obrigatório pode ter diversas implicações na vida familiar de uma pessoa:
Interrupção da Rotina Familiar
O período de prestação do serviço militar obrigatório pode obrigar o indivíduo a afastar-se temporariamente da sua família, interrompendo a rotina e os vínculos familiares. Essa ruptura com a rotina do trabalho militar e da vida familiar requer uma reorganização e reconfiguração das relações afetivas e dos hábitos quotidianos.
Impacto Financeiro
O serviço militar obrigatório pode gerar uma possível queda na renda familiar, caso o indivíduo tenha que interromper suas atividades profissionais. Essa mudança na situação financeira da família pode ser um fator de tensão durante o período de serviço militar.
Perda do Estatuto Social
O afastamento do indivíduo da sua rotina e atividades habituais pode levar a uma perda do estatuto social dentro da família e da comunidade. Isso pode afetar a autoestima e o sentimento de identidade do indivíduo durante e após o serviço militar obrigatório.
Adaptação à Nova Rotina
Após o período de serviço militar obrigatório, o indivíduo e a sua família necessitam de se adaptar a uma nova rotina e hábitos quotidianos. Essa transição pode gerar conflitos e tensões, exigindo uma reorganização dos vínculos e relações familiares.
Estratégias familiares para lidar com o Serviço Militar Obrigatório
Perante as implicações do serviço militar obrigatório na vida familiar, algumas estratégias podem ser adoptadas pelas famílias.
Adaptação à Nova Rotina
A família deve-se preparar para a interrupção temporária da rotina e reorganizar-se para lidar com as mudanças. É importante estabelecer novos hábitos e espaços de convívio durante o período de serviço militar.
Apoio Emocional
A família pode oferecer apoio emocional e ajudar o indivíduo a lidar com a perda de estatuto social e a adaptação à nova realidade. Isso envolve compreensão, paciência e auxílio na manutenção dos vínculos afetivos.
Planeamento Financeiro
A família deve-se preparar para possíveis impactos financeiros, como quebra de rendimentos, e planear como vai lidar com essa situação. Isso pode envolver a procura por outras fontes de rendimento ou a redução de gastos durante o período de serviço militar.
Comunicação Aberta
É importante que a família mantenha uma comunicação aberta e constante durante o período de serviço militar, a fim de facilitar a adaptação e a reintegração do indivíduo. Isso ajuda a minimizar conflitos e tensões decorrentes da ruptura da rotina familiar.
Concluindo
O serviço militar obrigatório pode ter impactos significativos na vida familiar, envolvendo desde a interrupção da rotina até questões financeiras e de estatuto social. Uma transição bem-sucedida requer adaptação tanto do indivíduo quanto da sua família.
As famílias devem adotar estratégias de adaptação, apoio emocional, planeamento financeiro e uma comunicação aberta para lidar de forma mais eficaz com as implicações do serviço militar obrigatório.
Qualquer decisão sobre a reintrodução do serviço militar obrigatório em Portugal deve ser precedida de um estudo aprofundado e de um amplo debate público, tendo em conta os prós e contras desta medida para a sociedade portuguesa.
O debate sobre o serviço militar obrigatório é complexo e envolve considerações sociais, económicas e estratégicas. É fundamental que a sociedade e os decisores políticos ponderem cuidadosamente os prós e contras antes de tomar uma decisão. Afinal, o futuro de Portugal está nas mãos de todos nós!