Pode um Funcionário Público ser Liberal?

Nada impede um funcionário público de ser liberal, bem como não existe qualquer impedimento que um funcionário privado o seja igualmente. 

Eu não tenho nenhum problema, bem pelo contrário, em intitular-me liberal e servidor público. 

Em 2020 éramos mais de 700 mil na Administração Pública, Central, Regional, Local e nos fundos da Segurança Social.

Com tanto potencial criativo, como é que chegámos a esta situação, onde a criatividade está refém de uma Agência de Modernização e  de um Instituto Nacional de Administração? 

Onde estão as ideias para melhorar o serviço de uma Junta de Freguesia, de um Departamento de uma Autarquia ou de um Ministério? 

Recuso aceitar que em 2020 mais de metade dos trabalhadores da Administração Pública tinha habilitações literárias ao nível do ensino superior (54,3%) sejam uma massa gelatinosa e acéfala onde não existem sonhos, ambição, e orgulho na sua capacidade empreendedora. 

As causas para esta percepção sobre a inércia e reduzida capacidade de produzir valor para a sociedade são múltiplas mas tudo começa na Política com a contaminação da máquina administrativa. 

A Administração Pública está refém das lutas entre sindicatos e partidos do arco da governação e das muitas promessas que os partidos fazem nas campanhas eleitorais, sem capacidade de autonomização e aplicação de modelos de gestão que visem a efectividade na sua missão que é bem servir o Cidadão. 

Quem trabalha na Administração Pública, não pode ser só um funcionário público que estabelece um contrato de trabalho com uma entidade jurídica. Tem que ter alma para prestar o serviço mais significativo numa sociedade regulada pelo Estado. 

Ser um Servidor Público, não é ser um funcionário público é sim ser um agente facilitador na relação entre o cidadão e o Estado, sempre com o Cidadão no centro da sua ação e a sua principal prioridade. Compete ao Estado servir e não justificar-se com a existência do Cidadão. 

Qualquer empresa que desvaloriza a  importância dos seus clientes, sente mais tarde no bolso esse desvio de foco. Como a Administração Pública não procura a auto-sustentabilidade proveniente das receitas que recebe por via da sua função, o desafio para procurar modelos de gestão efectivos que optimizem os procedimentos e reduzam o desperdício na execução de tarefas face aos resultados pretendidos vs alcançados não é relevante nem premente para o sucesso da sua missão. 

Uma Gestão Pública eficaz, deve prosseguir a redução da despesa pública, avaliando o custo vs beneficio para o Cidadão nos investimentos que pretende efetuar, recorrendo a grelhas de análise e avaliação públicas e transparentes para quem pretender fiscalizar os critérios definidos. Desburocratizar e implementar uma gestão por resultados em todo o desenvolvimento do processo e não só no resultado final.

Segundo Mariana Lourenço, nos resumos de direito administrativo da Universidade Nova de Lisboa.

A administração pública e a administração privada e apesar de serem ambas dois tipos de administração distinguem-se devido ao objeto e pelo fim que visam prosseguir assim como pelos meios que utilizam.
Quanto ao objeto, a administração pública versa sobre as necessidades coletivas assumidas como tarefa e responsabilidade própria da coletividade, ao passo que a administração privada incide sobre necessidades individuais;
Quanto ao fim, a administração pública tem necessariamente de prosseguir sempre um interesse público: o interesse público é o único fim que as entidades públicas e os serviços públicos podem legitimamente prosseguir, ao passo que a administração privada tem em vista, naturalmente fins pessoais ou particulares; 

– Quanto aos meios, também diferem da administração pública dos da administração privada. Com efeito, nesta última, os meios jurídicos que cada pessoa utiliza para atuar caracterizam-se pela igualdade entre as partes: os particulares são juridicamente iguais entre si e, em regra não podem decorrer de um acordo livremente celebrado; 

– Pelo contrário, a administração pública, porque se traduz na satisfação de necessidades coletivas que a coletividade decidiu chamar a si, e porque tem de realizar em todas as circunstâncias o interesse público definido pela lei geral, não pode utilizar normalmente face aos particulares, os mesmos meios que estes empregam uns para com os outros. 

Podemos definir a administração pública em sentido material e objetivo como sendo: “a atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político, desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e continua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos definidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais competentes. “ 

Não se discute que o poder político deve dirigir e fiscalizar a Administração Pública mas até que ponto deverá ser a ideologia e não a racionalidade e a efectividade nos resultados a determinar os modelos de gestão pública? 

O que interessa e importa ao cidadão se a Administração Pública recorre a modelos de gestão “privados” se o que lhe interessa é resolver os seus assuntos da forma mais célere e confortável possível? 

Quanto custa a AP no Orçamento de Estado?

De modo a cumprir a sua missão o grosso da receita da administração pública provém do Orçamento de Estado, os valores cobrados por serviços prestados não possuem expressão que permita considerar a sua auto-suficiência financeira. 

Segundo o CFP o conceito de dívida pública ….corresponde à totalidade das responsabilidades brutas no sector das Administrações Públicas, com exceção da dívida pública detida por entidades do sector das Administrações Públicas, valorizada a preços de mercado. A dívida pública é constituída pelas responsabilidades das Administrações Públicas nas categorias de numerário e depósitos, títulos exceto ações, excluindo derivados financeiros, empréstimos e créditos comerciais de acordo com as definições do SEC.

Em 2020, Portugal tinha uma divida bruta em % do PIB de 135,2 % e em 2021 um défice de 9.534,0 milhões/euros. Os gastos públicos em média, por pessoa, em pessoal e noutras despesas correntes ou em investimento e noutras despesas de capital foi de 9.587,7 euros em 2020.

Para o caso não interessa as políticas que os sucessivos governos aplicaram para cumprir os seus programas eleitorais mas sim porque razão a administração pública deve ser confundida com decisões políticas assentes em preceitos ideológicos? 

Servir o cidadão enquanto Servidor Público não é ser partidário nem ideológico é uma missão técnica que não visa o lucro mas a satisfação das necessidades do cidadão na sua relação com o Estado de modo mais efectivo possível em dado momento e lugar. 

A Gestão Pública e os seus modelos obsoletos e desadequados

SIADAP

O SIADAP, sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, corrompe o sistema e seca toda a capacidade criativa e espirito de inovação de um colaborador que quer fazer diferente e melhorar os procedimentos de funcionamento de organização em que está inserido.

Um modelo assente em quotas e objectivos de desempenho altamente subjectivos, tem tudo para correr mal como se tem verificado desde 2007. O sistema está tão mal desenhado que neste momento em alguns organismos só os Técnicos Superiores possuem objectivos para cumprir e superar, deixando de fora Assistentes Operacionais e Técnicos. 

Um modelo de avaliação avesso ao erro e à experimentação. Todos os objectivos são definidos com base na concretização de indicadores sem permitir que o técnico possa ensaiar soluções para melhorar a tarefa que se propõe realizar ou superar. 

O secretismo na definição dos objectivos com o superior hierárquico, o incentivo em algumas organizações à não partilha com os restantes colegas por receio de represálias ou boicote concertado para reduzir as hipóteses de sucesso são a machadada na criatividade, inovação e empreendedorismo na Administração Pública. O trabalho em equipa é um mero formalismo de distribuição de tarefas sem um rasgo de criatividade. 

O Vice-Almirante Henrique Gouveia e Melo afirmou que Uma equipa não se constrói só juntando talento. O talento garante parte do êxito, o restante advém de rigor, ambição, assunção do risco e querer ser sempre o primeiro. Nada disto existe na Administração Pública a não ser para ascender a lugares de chefia, o resto pouco importa, ou seja a satisfação das necessidades do Cidadão. 

Mobilidade na AP

A mobilidade consubstancia uma modificação transitória da situação funcional do/a trabalhador/a, dentro do mesmo órgão ou serviço, ou entre órgãos ou serviços diferentes, fundada em razões de interesse público, tendo em vista o aumento da eficácia dos serviços através do aproveitamento racional e da valorização dos recursos humanos da Administração Pública.

No papel fica muito bem mas na prática a mobilidade na Administração Pública, é mais um caso  de imobilismo e sacralização de rotinas e saberes ao impedir, por via da autonomia da Administração Pública Indirecta e Autónoma a discricionariedade de decisão dos dirigentes com base em critérios pouco técnicos e mais emocionais. Por exemplo, se um dirigente da Administração Indirecta ou Autónoma tem um desentendimento com um colaborador, este fica automaticamente condicionado nas suas opções de futuro porque a mobilidade só poderá ser feita por mútuo acordo entre as partes. Na Administração Directa do Estado, após o primeiro pedido de mobilidade ter sido recusado, ao fim de seis meses, se existir novo pedido o colaborador poderá mudar de Organismo. Esta medida deveria ser obrigatória para toda a Administração Pública independentemente da sua personalidade jurídica. Mais uma vez o que importa é o Cidadão e não as estruturas da Administração Pública. 

Progressão na Carreira

Não entrando na discussão, privado, público sobre quem tem mais regalias a verdade é que o rendimento é um dos factores importantes na motivação do colaborar e para a Administração Pública o aumento vai ser de 0,9 de aumento em 2022. Com um congelamento de salários com mais de uma década, excepção para algumas atualizações, e uma inflação em janeiro de 3,3% o poder de compra tem reduzido substancialmente, condicionando tomadas de decisão mais radicais por parte dos colaboradores.

A desvalorização da formação profissional e de incentivos à aquisição de novos conhecimentos por via académica, são outros obstáculos à progressão na carreira. 

Soluções 

Não existem soluções milagrosas nem um messias que nos salve deste inferno. A classe política não vai largar mão do poder que tem sobre a máquina do Estado a não ser que um partido liberal consiga crescer no Parlamento para implementar as medidas necessárias. 

A mudança implica mudar hábitos e tradições, colaboradores que já desistiram da sua carreira podem sentir mais estas mudanças mas a Administração Pública necessita de criar uma nova dinâmica organizacional. 

Procurar uma simbiose entre o sector público e o sector privado, mais escrutínio e avaliação da ação do Estado, melhorar a gestão pública e a progressão na carreira dos colaboradores. Por fim e mais importante separar a gestão da Administração Pública do Poder Político. 

A Gestão Pública, tem que responder a três questões, Problema – Solução – Beneficio, em prole da satisfação das necessidades dos Cidadãos e não para justificar a sua existência. Se satisfaz uma necessidade que a comunidade reconhece como necessária então deve existir, se já não satisfaz, o Organismo Público deve reinventar-se ou terminar a sua existência. Eternizar no tempo estruturas obsoletas para pagar apoios políticos não é racional nem cumpre a sua missão.